O cabelo dela está um emaranhado só, pensava a professora da escola enquanto tentava desembaraçar os nós do cabelo da criança. A mãe já tinha sido informada do baixo rendimento escolar e da falta de cuidado que aparentava ao chegar ao colégio. Mas parecia não adiantar. A criança continuava do mesmo jeito.

A professora fez uma anotação mental para abordar esse assunto com mais veemência no próximo encontro com os pais. Afinal, eles precisavam tomar providências. Por fim, penteando o cabelo da menina e amarrando-o com um laçarote amarelo, liberou a criança para ir junto aos demais alunos.

O tempo passou arrastando e quando pensava estar quase livre daquele dia de trabalho, as professoras reuniram-se com a diretora para reforçar os pedidos ainda não atendidos por ela, como os cursos de atualização para inclusão escolar. Desculpando-se tal qual outras vezes, a diretora respondeu ao encerrar a reunião surpresa: “Nós precisamos ver isso, mas agora não é um bom momento. Sabem como funciona uma escola pública”.

Apressando-se porta afora, a professora corre para pegar o trem a tempo de chegar a Casa e corrigir os trabalhos. Tantas coisas para resolver e algumas tarefas ficaram para depois. Além disso, as notas dos trabalhos precisavam ser lançadas no sistema da escola. Hoje era o prazo fatal!

Com o laçarote escorregando pelos fios de seu já bagunçado cabelo, a garotinha chega a sua casa, tristeza preenchendo todos os espaços do pequeno ambiente. Sua vó a recebe e, em silêncio, põe mais um prato na mesa de jantar. Por mais que seu pai não estivesse mais ali, sua vó continuava com esse hábito. Para ela ainda era difícil aceitar a morte de um filho. E só de pensar nisso, ainda sentia o na garganta. Tantas coisas a serem ditas, a avó pensou, com pesar.

Tempos depois a professora finalmente abre a porta de casa. Cansada, deixa sua bolsa na mesa enquanto dirigia-se à cozinha para fazer o jantar quanto antes. Mas logo avistou seu filho terminando de se vestir no quarto.

− Ué, seu pai ainda não veio te buscar? Vou ligar pra saber o que aconteceu.

− Mãe-

− Espera, estou ligando para seu pai.

− Mas mãe-

− Oi, o que houve? Já era para ter buscado seu… – ela silencia para ouvi-lo. Em seguida, alteia a voz e diz – Como assim você não vem? Nós temos um filho. Você precisa estar presente!

Com a conversa ao telefone de fundo, seu filho desiste de falar com ela e vai até a janela. De lá, observa a pracinha.

− E aí, brother! Nós estamos saindo agora. Vem jogar bola na pracinha com a gente ou não? – pergunta o vizinho todo arrumado com o uniforme da escolinha.

– Ainda não sei. Tô esperando pra falar com minha mãe.

– Ah. Qualquer coisa, encontra com a gente lá. Fui. Valeu!

Ele acena e continua debruçado na janela, observando a pracinha.

 

 

Observação: Aqui a proposta é gerar uma reflexão sobre como estamos interligados em uma grande rede de relacionamentos pessoais, familiares, sociais.

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