Nas últimas semanas, os principais canais de notícias divulgaram mais um caso de violência contra a mulher. Elaine, 55 anos, foi agredida em sua própria casa durante 4 horas, por Vinícius, de 27 anos.

Diante deste caso impactante de violência, dentre tantos outros que são divulgados todos os dias em rede nacional, impressiona o lapso de tempo durante o qual as agressões perduraram sem interrupções: 4 horas.

Quanto tempo tem 4 horas? Sugerimos começarmos pensando acerca do tempo contido em apenas 15 segundos: um… dois… três… quatro… cinco… seis… sete… oito… nove… dez… onze… doze… treze… quatorze… quinze. Imaginar uma pessoa agredindo a outra durante quinze segundos já parece uma eternidade. Conceber a violência durante 4 horas é assombroso. No entanto, apesar dos gritos proferidos pelo agressor e do clamor por socorro da vítima, foram 4 longas horas de violência física e emocional.

Durante esse tempo, o que houve foi um silêncio nefasto, que só foi rompido quando, segundo divulgado pela imprensa, um segurança do condomínio ouviu e decidiu chamar a polícia. Ninguém mais viu, ouviu ou sentiu. Falou mais alto a concepção de um conhecido ditado popular: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Nada mais equivocado. Afinal, direitos da pessoa humana estavam sendo violados ou ameaçados brutalmente, dentre os quais, o direito à vida, irrenunciável por sua própria natureza. Ainda assim, o silêncio foi de 4 longas horas. Por quanto tempo nossos sentidos continuarão impermeáveis à dor e ao sofrimento? Por quanto tempo continuaremos anestesiados e alheios em relação à violência?

As respostas para essas questões – que envolvem não somente os casos de violência contra as mulheres, mas também as pequenas e grandes violências que permitimos sejam praticadas contra nós e contra os outros – são tangenciadas por uma variável comum: o tempo.

Porém, o que é o tempo?

Agostinho, na obra Confissões, revela suas ponderações acerca do tempo, ao questionar e refletir: “…o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explica-lo a quem me pergunta, então não sei”(PERGORARO, pag. 24).

Trazendo a reflexão para um momento mais recente, observamos que, para alguns, tempo é dinheiro. Para outros, “não há tempo pra nada”. Para Elaine, o tempo dentro das 4 longas horas de violência, compreensivelmente, poderá configurar o tempo mais longo e mais ruidoso de sua existência.  

E nós? Por quanto tempo precisaremos de mais tempo para fazer valer a pena nosso próprio tempo? Sem embargo da repetição proposital, vivemos em uma sociedade na qual as pessoas não têm tempo para pensar sobre si e seus propósitos. São muitas ocupações e variadas obrigações. E, sem tempo, a vida vai seguindo no piloto automático.

Pode-se questionar: e qual o problema do automatismo? A complicação surge porque o sistema de crenças e valores que governa os zumbis da modernidade, conectados na “felicidade” das redes sociais e ávidos pelo melhor post, tem como base valores do individualismo e do patriarcado. A conjugação dessas construções, que preenche até mesmo o tempo livre das pessoas, contribui para a manutenção de uma sociedade anestesiada e indiferente à dor e ao sofrimento de seus semelhantes. A imagem da utópica e tradicional “família margarina”, propagada nos comerciais de TV e idealizada pelas princesas da sociedade moderna, já prolongou, por demasiado, o tempo de sujeição da mulher à violência, sempre justificada na manutenção de um ideal de felicidade. 

Provavelmente, por falta de tempo, ninguém ensinou àqueles que são esperados chegando montados em um cavalo branco, a importância do respeito, da ética e da solidariedade. Assim, padrões de pensamentos e crenças, como aquele que sustenta que somos apenas “a metade de uma laranja”, não recebem as necessárias reflexões e atualizações, por falta de tempo.

E onde estão aqueles não inseridos nessas concepções? Onde estão aquelas pessoas que não se consideram abrangidas pelo individualismo ou pela ficção da construção de uma vida digna de comerciais de TV? Onde estão as pessoas com senso crítico e vontade de construir a sociedade que queremos para nós e para todos?

Possivelmente, elas estão sem tempo.

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REFERÊNCIA:

PEGORARO, Olinto Antonio. Ética da Solidariedade Antropocósmica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.

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Adriana Bravim

Analista Judiciário da Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, especializada em Direito Público e Privado