É pouco, mas ajuda?

Há dez anos comemoramos o dia da justiça social. A data, criada pela ONU, tem o propósito de reforçar os objetivos de desenvolvimento social, tais como a erradicação da pobreza, o pleno emprego e a inclusão integrada de todos. Segundo Nancy Fraser, a justiça social consiste em um olhar bifocal, eliminando as desigualdades socioeconômicas (políticas (re)distributivas) e dando voz às diversidades culturais, ao respeito e à inclusão (políticas de reconhecimento).

 Em 2019, o relatório da comissão global do futuro do trabalho promovido pela centenária OIT revela deficiências alarmantes, como, por exemplo, a contínua desigualdade de gênero no âmbito econômico-social. A participação do homem na força de trabalho é 30% maior do que a participação das mulheres, as quais ocupam o maior índice de subutilização do trabalho.

Além disso, nem sempre estar empregado é garantia de vida digna. São dados apresentados pelo relatório:          2 bilhões de trabalhadores ocupavam empregos informais em 2016, o que corresponde por 61% da força de trabalho mundial;

  • Estima-se que 172 milhões de pessoas em todo o mundo estavam desempregadas em 2018;
  • Atualmente, cerca de 2 bilhões de pessoas vivem em situações vulneráveis e afetadas por conflitos, das quais mais de 400 milhões têm entre 15 e 29 anos.
  • Mais de 1/4 de trabalhadores em países de baixa e média renda viviam em extrema ou moderada pobreza, não sendo o emprego uma garantia da diminuição da pobreza.

O cenário não comporta comemorações. Ao contrário, demonstra que a desigualdade atinge índices preocupantes. Por isso, o dia de hoje serve para refletir sobre o tema que parece tão utópico no Brasil, maior país em concentração de renda em 1% mais rico da população.

O início do pensar sobre justiça social deve passar de sobremaneira pelos direitos fundamentais do cidadão constantes na Constituição Federal de 1988 (CF/88), na qual são garantidos a todos: educação, moradia, saúde, alimentação, trabalho, segurança e outros tantos direitos que deveriam ser efetivamente concretizados através de políticas públicas.

Celina Souza explica que política pública é “colocar o governo em ação”, analisando-a e transformando-a quando necessário. Assim, não restam dúvidas sobre a responsabilidade e o compromisso social do Estado no dever de agir, cuidando do cidadão como sujeito de direitos e não como objeto de caridade, situação que o submete a uma posição passiva de aceitação de qualquer coisa, ainda que aquém dos direitos que concretizam a dignidade humana.

Eu e você, enquanto membros da sociedade, também temos o dever de nos questionar de que maneira nosso agir impacta na construção da Justiça Social e, o que é mais importante, se realmente impacta. Se acho que faço minha parte alimentando ou cobrindo alguém como pessoa caridosa que sou, acho que preciso refletir mais sobre minhas ações. Não que isso seja ruim, é bom! Porém, não muda a realidade de ninguém. Caridade é dar o que nos sobra, é dar “o pouco que ajuda os pobres”. É doar aquele cobertor que não usamos mais ou aquela roupa que já viu dias melhores para nós, mas não para o outro.   

A partir do momento em que mudamos nosso comportamento atraindo para nós o compromisso e a responsabilidade social na coconstrução de uma realidade igualitária, entramos em relação com o outro e vislumbramos a Justiça Social em seus próprios termos: reconhecemo-nos em privilégios; visibilizamos pautas identitárias; incluímos socialmente.

Vamos aprender a compartilhar o que temos no lugar de dar o que nos sobra? Talvez ainda deixemos a desejar, tal qual nosso governo, mas que a máxima freireana seja um guia para nossas ações presentes e futuras: “eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade”.

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